Leve-me ao seu Líder

11/01/2023

Ano novo.

Filed under: Sobre o título — by janainam @ 16:06

Estou me fortalecendo, porque tenho planos. A preparação é simples. Estar no mundo, abrir os olhos, observar as pessoas, ir a rodas de samba, ler as notícias. Tudo isso com um estranhamento que traz vitalidade e vertigem.

Hoje li sobre os objetivos da terapia para certa abordagem, sendo a interação o propósito por excelência, não sem antes abandonar defesas aprendidas. Nas redes sociais e nos jornais, vejo o país angustiado e a História rebenta na nossa cara. Li uma frase de Freud, dizendo que a dor, por si só, nada ensina, se falta a coragem de se estar com ela. Alguém me falou há pouco sobre ser triste e andar pelo mundo com alegria e eu me identifiquei. Meu coração tem um dilema, mas talvez seja só a vida rebentando na minha porta.

Sigo com o plano, simples. Telefonar para os amigos e para meus pais, cuidar da filha. Cultivar a fé. Ir ao cinema. Não assumir compromissos sem sentido, mas cumprir a fidelidade radical de preservar o calor no peito e o frio na barriga. Lembro da música dos Secos & Molhados, sobre romper tratados, trair os ritos. Vou traindo contratos e me exponho, é parte do plano, os caminhos são tortos. Espero para ver o que acontece e nada acontece, mas o nada ganha vibração, no vento que entra pela janela do uber, na volta pra casa, sozinha, pois decidi ficar mais meia hora. Vibração que pulsa nos meus membros meio adormecidos, porque estou de pileque e acho a cidade linda.

Chego em casa, cuido da gata, aviso à amiga, rezo e escrevo. Imagino se isso fará sentido amanhã e rio. Escrevo “rio”, lembrando da música sobre o mar que me navega, como nem fosse levar.

08/11/2022

Nonsense

Filed under: Sobre o título — by janainam @ 22:51
Underwater. Michele Poirier Mozzone.

São muitos os perigos, em toda parte e a todo tempo. Dentro e fora, de antes e depois. Os que passaram e outros que, vai saber… É preciso cuidado para que o coração se mantenha sereno. Um coração alerta é perigo maior. Vive sobressaltado em sustos, atrapalha a mente e pesa na alma.

Ai, falta-me paciência com o miocárdio e suas correntes elétricas e suas memórias sem prazo. Outras coisas, que não deveria, ele esquece. Segue apanhando em descompasso, fica míope, tem vista cansada e insônia. Confunde tudo. Quase demente.
E ainda assim é dele que dependo.

Devo tratar do demente com sossego e delicadeza. Devo dizer-lhe de mansinho que esteja atento mas tranquilo, que não se descabele, que perceba o ar ao redor. Que não tenha tanta certeza dos perigos, que saiba deles, mas que cultive um espaço assim sem noção, onde possa germinar algo. Não sei o quê. Pode ser bom ou bruto, pode aliviar e pode doer.

No entanto, deve ser o inusitado, o imprevisto. O criativo não vem do sobressalto, vem do salto. Não vem da esperança, mas da entrega, que é um tiro no escuro e não a luz no fim do túnel. Essa é a morte.

Não siga a luz no fim do túnel, coração sobressaltado. Siga sem noção, no escuro, respirando o sereno da noite, tamborilando seu chuvisco, sustentando a sua sombra.

01/01/2022

Lista de Desejos

Filed under: Sobre o título — by janainam @ 19:46
Sol da Manhã, Edward Hopper

Sobre mais um réveillon e lista de desejos.

Nem sempre me pareceu simples listar os desejos na virada do ano solar. Às vezes era um branco que não nomeava coisa alguma e eu ficava na angústia de ali, naquele momento cósmico, perder a chance de solicitar ao universo algo que fosse precioso. Outras vezes, era uma vontade de sair de uma situação difícil, mais pra um “não querer”, daquilo que a vida me impunha encarar. E já houve desejos que eu não ousava desejar.

Não é sobre os objetos de desejo, efêmeros, mas sobre o desejo em si, intangível, incontrolável. O desejo é uma interrogação (disse Lacan), que fala sobre quem se é. Nem sempre bem-vindo, pois tem ocasiões em que não convém. Daí ser preciso audácia pra sustentá-lo, quando ele se apresenta “apesar de”. Mais do que isso, é preciso reconhecer a graça de um desejo que se revele, em qualquer condição, por mais inapropriado que pareça, porque viver, afinal, é muito perigoso (bem disse Guimarães Rosa).

Também não é sobre realizar desejos – o tique consumista de nossos tempos – mas sim abrir espaço no peito para que eles pulsem e, com eles, através deles, a vida pulse em nós. Um desejo acolhido é um espelho em que corajosamente nos desvelamos. Pode doer. No entanto, o preço da fuga é a apatia, que torna a vida sem sabor, sem cor, porque desejo tem a ver com desconforto e com gosto de viver, uma coisa não se separa da outra.

No fim das contas, é sobre o amor: o desejo encarado de frente, nomeado e assumido, para o bem ou para o mal. Seja como for, é sobre a história de nossas vidas.

08/05/2021

Não estou, favor alimentar o gato, pode mexer nos livros

Filed under: Geral,Posts — by janainam @ 23:18
Foto: Kelin-Hubert

Retomo os livros que deixei pela metade. Tem sido um hábito. Dou os primeiros passos numa história nova e me distraio, me desvio. Por vezes, volto do início tempos depois. Tudo certo, leituras são viagens sem roteiro fixo (as melhores).

A jornada de tornar-se quem se é. Retomei essa ideia do princípio também. No entanto, estranho o caminho por onde passei e me perco de mim, da intenção de mim. Cansativa a insistência de ser, quando uma declaração é um compromisso. Essa ideia me intriga, do que ouvi outro dia numa aula, sobre a liberdade de não ser você mesmo, sobre a pessoa não caber nela mesma. “Não seja você mesmo” (George Kelly). A frase me cutucou. Tanto tempo em busca de mim mesma e o caminho então era outro?

Outra ideia me comoveu em outra aula (dessa vez, Freud, compreensão livre): recuamos diante de realidades indigestas e no lugar desocupado por “nós mesmos” fica uma pequena bagunça, como quando viaja o dono da casa, mercado por fazer, poeira nos móveis e alguém que aparece algumas horas por dia pra dar comida pro gato. Talvez eu-mesmo seja um livro que ficou inacabado na estante e um visitante, ao vir cuidar do bichano, decidiu retomar a leitura. Como era a história mesmo? Lembrava diferente.

11/08/2020

Agosto

Filed under: Sobre o título — by janainam @ 23:41

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Imagem: Ciranda nas Estrelas. Quadro de Antônio Poteiro.

Outra volta no calendário e, como diz Chico, nas voltas do meu coração.

Como quem chega a algum lugar, como se meu coração fosse um lugar, penso que gosto do jeitão que está tomando. Bagunçado, mas arejado. Tem um céu estrelado no quintal, um fogo aceso na cozinha. As portas estão abertas. Tem cantos escuros também. 

E convidados. Uns são de casa, com esses nem preciso me preocupar, são puro aconchego. Outros estão de passagem, deixarão saudades doces. E tem aqueles que são desencontro, falta doída, ou foram descuido da parte nossa mesmo. Esses têm sua imagem num pequeno altar, que aprendi que é melhor honrar essas ausências do que simplesmente calá-las, pois elas viram poeira de seca de agosto em Brasília, uma terra vermelha que entra sorrateira pelas frestas e quando se percebe, sujou a casa toda.

É preciso ter humildade para acender cada velinha desse altar. A vela é essencial, alquimia que um dia transforma esses desgostos numa daquelas fotos antigas, amareladas, quem sabe se até dá gosto de rever, ou não, simplesmente viram uma pedrinha no sapato, que aí sim a gente sacode fora de casa com segurança. Deve-se gastar um tempinho nesse culto e então a gente desocupa o resto das horas pra fazer e oferecer o nosso melhor, nosso amor, nossa arte, nossa alegria, nossa beleza.

Se eu pudesse escolher, esse aniversário seria noite de São João, no terreiro da música de Luiz Gonzaga. Céu salpicado de balão, casa de portas escancaradas, comida e bebida, fartura, música, festa. O altar lá no cantinho com as velinhas queimando e de vez em quando um curioso pergunta sobre aquele canto ali e a gente em volta troca causos e engata numa prosa boa ao pé da fogueira.

 

 

12/04/2020

Ah, os lugares aonde você irá!

Filed under: Sobre o título — by janainam @ 21:29

“Ah, os lugares aonde você irá!”, de Dr. Seuss, é pra mim um dos títulos de livros mais belos. A interjeição “Ah,” interrompe o ar no início de uma frase profética, que anuncia a viagem intertemporal e multidimensional de seguir mais do que simplesmente existindo. Traz o mistério para a brincadeira da fantasia e faz, de uma espiada no futuro, o convite irrecusável à aventura de percorrer as estradas da vida. Em tempos de confinamento e de Páscoa, eu me pergunto sobre os lugares aonde eu irei. Quando tudo isso passar? Ou enquanto estou aqui, fechada no espaço de mim mesma?

Certa vez conheci uma cabana de meditação, que era uma pequena sala, cercada de espelhos, em forma hexagonal. A ideia era a pessoa se sentar ali “e poder ir a muitos lugares”, como me explicaram. Não usei a sala naquela ocasião, mas ainda me pergunto por onde eu iria?

Páscoa significa Passagem, uma travessia por desertos (como deve ser), lugares escuros, sombrios e desconhecidos, rumo a um renascimento, que é vir à luz, a um novo lugar. O convite foi feito há tempos. Basta voltar a respirar o ar que foi suspenso lá na primeira frase, para seguir nessa passagem, ou viagem, ou mergulho.

Faço planos. Prepararei minha bagagem com um bom e honesto sorriso, acompanhado de meus melhores pensamentos, para que a imagem refletida no espelho me inspire a continuar. Tenho um roteiro preliminar, que certamente será alterado ao longo do trajeto, mas que serve de começo, de pé na estrada. E é basicamente isso, há que seguir leve. Acima de tudo, coragem. Melhor fechar os olhos. Ah…

25/03/2020

Silêncios

Filed under: Geral,Posts — by janainam @ 00:05

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Silêncio de grilo no mato. Silêncio de carro passando na rua. Silêncio da casa rangendo, do gancho da rede, cachorro do vizinho que latiu.
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Silêncio que grita, que esperneia e duvida, silêncio de esperança vazia. Silêncio agressivo, que afasta, que fecha a porta. Silêncio quente de coração ferido, silêncio frio de desdém. Silêncio que cala, que engole, entuba. Silêncio que desrespeita, que castiga. Silencio que chora, silêncio que debocha. Silêncio que é mágoa, silêncio que quer magoar. Silêncio que treme, silêncio de escuridão e desespero. Silêncio de medo e de solidão. Silêncio de fuga, silêncio de si.
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Silêncio de quem reza. Silêncio de quem lê. Silêncio que é escuta, silêncio generoso, silêncio em prece. Silêncio paciente, de sabedoria e intuição, silêncio que espera. Silêncio que desconhece e não teme. Silêncio que observa e nada conclui. Silêncio que não sabe, porque ninguém sabe. Silêncio que desiste, silêncio que aceita.
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Silêncio que olha. Silêncio que vê. Silêncio que aprende, curioso. Silêncio leve, de vento no rosto, de calor do sol no corpo. Silêncio que aprecia. Silêncio de quem cozinha, de quem escreve, de quem descansa. Silêncio de quem viaja. Silêncio fértil, que brota. Silêncio de todo dia, de deveres cumpridos e mente tranquila. Silêncio que entende, que perdoa. Silêncio que liberta.
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Silêncio de grilo no mato. Silêncio de carro passando na rua. Silêncio da casa rangendo, do gancho da rede, cachorro do vizinho que latiu.

24/03/2020

De frente pra trás

Filed under: Sobre o título — by janainam @ 23:49

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Luz apagada, chovendo lá fora. Hoje não tem trovões nem clarão. Tem chuva tranquila, companheira. O coração, que se tornou uma visita exigente, acalmou-se. O corpo pode descansar um pouco, parar de servir o hóspede trabalhoso, que não deixou os outros moradores à vontade nesse dia longo. Agora tudo está suspenso. Pensamentos e emoções em trégua na hora parada, no escuro, acordados, olhar distante, pra dentro, além.
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A música que toca vem dedilhada numa voz gostosa. Fala de uma sala cheia de tintas e pinturas velhas que não renovam mais o ar. Traz os discos, fica, diz a música. Eu fiquei e me fiz companhia. Não quero relaxar a ponto de dormir, não quero que acabe essa hora suspensa, não quero ainda amanhã.
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Eu me vi.
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Até tentei retroceder, fingir que não vi, mas a verdade, quando se instala no coração, não é discreta. E na falta de explicações ela ergue o olhar, impassível, autoritária. Eu trago versões, possibilidades, e tudo cai ao chão, diante de seu silêncio altivo. Então me vem a outra música, a que diz que eu suporto a colisão da verdade na contramão.
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Outro réveillon.
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Lembro do livro da Patti Smith. Ela queria sempre um réveillon especial, em que ela pensasse: que seja assim o ano todo. Certamente não desejo o mesmo. Mas desejo sim a coragem de entender a verdade. A cegueira e a covardia, por favor, não. Eu prefiro, eu aguento, eu suporto a colisão da verdade na contramão. (03/01/2020)

18/09/2019

Parágrafo.

Filed under: Geral,Posts — by janainam @ 01:15

Na rotina delineada e segura de tudo que passa, algo começa. Um pensamento, que se torna uma ideia, que se transforma em um texto, em uma declaração de amor ou uma confissão, uma poesia ou uma passagem de avião. Uma dor que pede entendimento e a busca se torna uma interrogação.

Quantos novelos de lã se desenrolaram a partir de um descompasso, um casaquinho que só existiu porque numa noite de insônia, uma tia tinha uma agulha de roda e um ponto base que tomou forma. Quanto sono foi roubado pelas lições mal registradas num caderno, por desatenção na aula de estatística, pelo ar que faltou, pelo sonho que sobrou, pelo canto da cigarra distraída da anotação no quadro branco. Uma equação, apesar de árida, foi talvez o embate apaixonado de uma mente inquieta, visionária. Nessa conta não se dá troco, toma-se tudo o que pertencer, até o amargoso.

Pensamos demais, pensamos que entendemos o correr do tempo. Elegemos horizontes para navegarmos em rumo certo. Mas na verdade somos perpassados por passos que nos atravessam em pontapés, caóticos ou direcionados, conforme nosso olhar permite compreender, quando consegue focar uma referência.

Naquele dia tomei uma decisão e uma atitude. Foi um grande feito, eu acho. Em minha dimensão pessoal foi grandioso! Tanta vida me encheu o peito, que minha visão ficou embaçada. O prédio, o asfalto, tudo me pareceu tão vasto. Eu já adiante voltei ao princípio para de novo brincar com a vida, pegar minha senha, ouvir na fila da reprografia a discussão mais séria e mais ingênua. Sem saber ainda se me sinto irritada ou se é com curiosidade que penso entender alguma coisa.

Reconheço com escancarada alegria a sensação de estranhamento pelo inédito que está a ponto de se tornar rotineiro. Sinto o desconforto pelo desconhecido que virá a ser saudoso Porto Seguro.

Gostaria de explicar demoradamente minhas razões e meus enredos, mas somente para quem entende. Não ouso lidar com dúvidas, que me cobrarão uma postura coerente. Por hora, quero esse delírio de enxergar apenas com o coração, numa clareza que promete se fazer exata e explícita, após a travessia que agora é difusa, insegura.

05/12/2018

Travessia

Filed under: Sobre o título — by janainam @ 17:19

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2018 em ventania bateu violentamente a porta.
No baque a porta ficou travada e eu no breu diante de uma porta fechada.
Fiquei quieta. Acalmei a respiração. Descansei os olhos. Agucei os ouvidos.
Um tantinho de palmo adiante a escuridão cedeu.
Vislumbrei um alisar de porta, um trinco de fechadura.
Os sons ao redor ganharam presença.
O gancho da rede rangia, o vento balançava as árvores, as folhas dos livros cochichavam em suas voltas – preciso inventar um verbo para o movimento das folhas dos livros: é som, é passagem, é sequência, é curiosidade, é perseverança, é descoberta: as folhas dos livros… – , os grilos se transformaram em cigarras e o tempo se moveu em estações.

 

Estiquei a mão e toquei a superfície que me guardava. Era madeira rústica, viva. Era tronco de árvore. Era o lado de fora.
2018, culpado e constrangido pela grosseria de me bater a porta na cara, como que se desculpando me mostrou delicadamente o lado de fora.
Está perdoado, 2018. Obrigada por toda escuridão que se revelou em sons, sombras, cores, ideias, poesia, palavras, sonhos, paciência, generosidade.
Tiro a chave da fechadura e dou a volta. Fecho os olhos um instante com o calor do sol no meu corpo. Eu sigo.
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