Primeiro dia de aula, segundo ano de escola. Ela vai animada, trancinhas no cabelo. Sem uniforme porque o novo fornecedor da escola não conseguiu cumprir o prazo combinado. Mas ela sabe que será azul, do Infantil IV, o que tem superpoderes. Ano passado, o uniforme era amarelo, do Infantil III. Na época, eu lhe disse que achava o uniforme amarelo o mais lindo de todos e o pai disse que queria um igual. Ela, que não tinha nem três anos, teve a sagacidade de perguntar, denunciando a idade do papai: Mãe, tem Infantil 40?
O pior já passou, eu sei. Agora é o segundo ano de escola, onde ela está familiarizada, onde já tem amigos e histórias. Nesse lugar, a porta de entrada para para o mundo lá fora, a porta de saída do nosso ninho de proteção, ela vai viver experiências ricas, vai encontrar dificuldades e superá-las sem a minha ajuda, vai deixar também a sua marca, com suas tiradas inteligentes e suas perninhas grossas, vai dar grandes passos longe do alcance da minha mão.
Eu dou um beijo estalado de despedida em suas bochechas gorduchas e digo-lhe um tchauzinho, até mais tarde, tranquilo e firme. Dou uma última espiadinha, meio escondida, para observar a reação na nova turma. E vou embora com o coração apertado. Na saída, sinto que, além da luz da tarde e do burburinho das crianças, algo mais me acompanha, uma força quase sobrenatural. Suspendo a respiração por um instante, mas só consigo reter o ar, a fração de segundo me escapa. Em seu poder absoluto, essa entidade me espreita.
O Sr. Tempo. Percebo sua presença e estremeço, mas ouso fazer-lhe um pedido. Para agradá-lo, começo dizendo que ele é um Senhor tão bonito, compositor de destinos, tambor de todos os ritmos! Tempo – agora mais íntima – eu peço, entra num acordo comigo. Eu, que sou montanha e não posso segui-la, que sou fortaleza e não posso prendê-la. Dá-me a alegria do presente, a energia do agora. Não me tragas ainda a saudade, permanece ao meu lado. E quando chegar o momento de nossa despedida, vai ficar ao lado dela e conta o que viste, no tempo em que estivemos juntos. Para convencê-lo, termino oferecendo mais elogios, falo que ele é um dos Deuses mais lindos, tão bonito quanto a cara do meu filho[1].
[1] ouça a música: Oração ao Tempo, de Caetano Veloso
Leve-me ao seu Líder 
O tempo é a quarta dimensão, responsável por evitar inúmeros choques entre os corpos que estejam nas mesmas coordenadas espaciais. E também pelo aparecimento de pegadas galináceas nos rostos das pessoas, pela perda do brilho nos olhos dos que envelhecem, pela redução de todos os amores e todos os prazeres à rotina que banaliza os milagres da vida…
Comentário por Emilson da Silva Nery — 05/02/2011 @ 19:15 |
Emilson,
seu comentário me lembrou de outra música, que também me acompanhou quando eu redigi o texto (Resposta ao Tempo, gravada pela Nana Caymmi), aí vai um trechinho:
“Batidas na porta da frente
É o tempo
Eu bebo um pouquinho pra ter
argumento
Mas fico sem jeito calado ele ri
Ele zomba do quanto eu chorei
Porque sabe passar e eu não sei
(…)
E gira em volta de mim
Sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro
Sozinhos
(…)”
Comentário por janainam — 05/02/2011 @ 19:22 |