Uma estrada pra chamar de sua. Apropriar-se das situações e dos momentos que se apresentam, questão de timing. Um caminho. Uma dança. Vontade e ritmo. Mistura de química e de compasso. Não tem ensaio. Acontece.
Tenho passado com frequência por certa estrada. Escolho antes as músicas que vou ouvir e na véspera já me animo. Uso óculos escuros, ou não, dependendo do sol ou das nuvens, e sigo feliz. O ar entra leve, deixo um pensamento que parecia importante esperar o fim da música que canto sozinha no carro, dividindo a atenção com o tráfego. Ouço a mesma música outra vez. O pensamento que espere mais um pouco. Não vou decidir nada hoje, hoje sou a estrada.
Timing. Há tempos quero escrever sobre isso. Achei que tinha encontrado o mote ao assistir ao filme “O Último Tango”. Afinal, dança é timing. É responder ao ritmo. Não é competição, não há vencedores e sim parceiros. Mas não foi ali que o encontrei. Foi na estrada.
O filme conta a bela história do casal argentino que levou o tango para a Broadway e para o mundo. Foram mais de quarenta anos de parceria. Casaram-se, separaram-se. Separados na vida, seguiram juntos no palco, sem trocarem palavra, por anos! Pelo Tango! Ele tocou a vida, casou-se novamente, teve filhos. Ela manteve a solidão. Talvez por apego à tragédia que encenava semanalmente e que, quem sabe, dava-lhe uma dimensão de diva, transbordando sentimentos que ela despejava na dança, transcendendo à própria existência. É lindo. Tanto amor e tanto ódio, como ópera, puro Tango! Mas, penso baixinho na saída do cinema: Deus me livre! Total falta de timing, apesar da perfeita sintonia.
Timing é deixar chegar e deixar passar, num só tempo. É entender que a magia acontecerá no momento em que a primeira nota da melodia tocar e permitir que o coração, o corpo e a alma se entrelacem com pessoas, projetos, ideias, ou seja lá o que for que pedir o prazer dessa dança. O convite está feito e dura o tempo da canção. Depois acabou, tenha você dançado ou não. Não dá pra negociar com a banda pra tocar a mesma música no bis, seja porque você deixou pra depois a decisão de aceitar o convite, seja para reviver o momento único e irrepetível daquela mão da vida estendida lhe pedindo pra dançar.
Por isso hoje, ao passar pela estrada que ganho legitimidade pra chamar de minha, lembro do filme e vejo que timing está mais nessa paisagem viajante e no efêmero que respiro, sem apego pelo quilômetro que passou, do que naquela dança ensaiada e tão planejada e projetada, que de verdadeiro só tinha mesmo a raiva por não ser nunca mais o que um dia foi ou que poderia ter sido e que prometeu que seria infinito. Ganho legitimidade pra chamar essa estrada de minha justamente porque não a agarro e assim tomo posse do momento que atravesso de olhos abertos, dizendo sim pra esse caminho que há de me conduzir a encontros que eu não ensaiei, mas que me surpreenderão com o bom e o ruim, deixando que eu enfim possa lidar com a vida diretamente, sem roteiro.
Olhando a imensidão pela janela do carro, penso que às vezes não ter o que tanto se quis pode ser uma bênção. E porque eu adoro a frase, dou replay na música do Skank que diz: “o caminho só existe quando você passa.”
Jana, pensei que estivesse falando do Último Tango em Paris… Quando descobri que não era em Paris, você já havia mudado de assunto. Parabéns. Essa é uma habilidade sutil de quem tem talento literário: falar sobre assuntos distintos e deixar subentendido um liame entre eles. Timing, tango, caminho e objetivo.
Comentário por Emilson Nery — 01/11/2016 @ 11:45 |
Vou tentar descolar uns ingressos para o próximo show do Skank em Goiânia. Rsrs. Beijo!
Comentário por Guilson — 04/11/2016 @ 23:41 |
Jana, que lindooo!!
Até que enfim vim aqui te visitar e estou me deliciando com suas palavras e ideias bem encaixadas!
Quando esta semana começou, pensei: não posso terminar o ano sem visitar a Jana no blog!
Feliz de ter vindo te encontrar!!
Beijo, boas férias, bom ano!! É uma vida pra sempre boa!!
Comentário por Maju — 31/12/2016 @ 13:33 |
Maju, bem-vinda!! Que bom ter você aqui! Um beijo e feliz ano novo!
Comentário por janainam — 01/01/2017 @ 19:54 |
Nossa… a leitura parece se transformar em música. Belo texto. Inspirador.
Comentário por Hugo Fidelis — 27/01/2017 @ 21:23 |
Hugo, que bom te conhecer!! Obrigada por vir ver o blog! Um beijo!
Comentário por janainam — 27/01/2017 @ 21:30 |
Belo texto sobre sincronicidade (ou a falta dela). Parabéns Jana 👏🏾👏🏾👏🏾
Comentário por Lucas Terto — 26/04/2017 @ 21:55 |
Obrigada, amigo! Você é generoso! Um beijo!
Comentário por janainam — 26/04/2017 @ 22:01 |